sexta-feira, 22 de maio de 2009

Scorsese por escrito

Terminei ontem o livro “Uma viagem pessoal pelo cinema americano”, de Martin Scorsese e Michael Henry Wilson. Primeiramente o livro tem um grande ponto a seu favor: o apelo visual. Ele é completo de fotos que ilustram os textos. Não que eu goste de ver só figurinhas, mas a imagem vem como um importante complemento e estimulante da leitura, já que o livro trata de gêneros dentro do cinema exemplificados por filmes.
Enquanto lia o livro eu notei um Scorsese muito humilde na sua posição de escritor, mas também diretor. Ele se coloca como um observador e admirador de tudo aquilo, tanto que no livro ele diz: “(...)optei por destacar alguns dos filmes que coloriram meus sonhos,m que mudaram minha percepção e, em alguns casos, minha própria vida. Filmes que instigaram para o bem ou para o mal, a virar cineasta”. Estamos mergulhando dentro da mente de um Scorsese espectador, como nós.
O livro é dividido em cinco partes. A primeira parte se trata do dilema do diretor. Todos sabem que Hollywood é um grande monopólio cinematográfico, que dita suas regras e que obrigam a grande maioria a se adaptarem a elas. Para muitos diretores a melhor maneira de burlar essas regras era produzindo filmes “B”, de baixo orçamento. Esse tipo de filme não era essencial para os homens do dinheiro, logo se tinha muito mais liberdade de deixar o filme da maneira que você queria e não com a cara da indústria para qual se trabalhava. Desse modo diretores começaram a construir um estilo próprio e seus nomes eram escritos “acima do título” – palavras de Frank Capra. Aliás, foi Capra que teve também a idéia de “um homem, um filme”. Para ele todo filme deveria ser produzido por um homem – o diretor. Assim seus filmes teriam a sua marca, e não um produto montado de uma indústria. Scorsese traz trechos de cenas e diálogos de filmes sobre o assunto, como o filme “Assim estava escrito”, de Vincent Minnelli, que mostra Hollywood na visão dele.
O capítulo dois do livro fala do diretor como um contador de histórias, com a função de proporcionar entretenimento através da ficção – documentários estavam em baixa. Dessa maneira surge o studio system, que é o cinema divido em gêneros, com formatos pré-determinados. É como dizer que todo faroeste tem um mesmo roteiro geral: vilão, bandido e mocinho. Amor, mentira, traição e reconciliação. Final feliz depois do clímax. É como as comédias românticas de hoje. Sempre um casal bonito que se encontra e apaixona-se instantaneamente, desentende-se no meio do filme e no final descobrem que se amam e tudo termina num “feliz para sempre”. Nada contra, eu até gosto de assistir filminhos assim, mas são extremamente previsíveis.
No livro Scorsese trata de três gêneros que foram importantes para a história do cinema: faroeste, gângster e musical. No início os faroestes idealizavam o lado oeste americano com uma estética aprimorada e personagens cativantes. A partir dos anos 50 isso muda. Há uma desconstrução dessa realidade. O interessante é analisar que o cinema nunca está estagnado. Quando as coisas se tornam mesmices cansativas, o cinema se reinventa. Clint Eastwood fala no livro sobre isso e dá um exemplo clássico de desconstrução do mito, que é “Os Imperdoáveis”. O mocinho do filme era na verdade o bandido. A maneira como a história se encerra foge do “paz e amor”. As coisas se resolvem da maneira que precisam se resolver e ponto final.
Já os gângsteres vieram para escancarar a violência e ilegalidade da época. O interessante é que isso é muitas vezes visto como algo charmoso. Eles são bandidos e ninguém nega, mas não são medíocres. O que eles fazem, fazem bem. As organizações eram vistas com respeito, tanto que Al Capone é um mito até hoje! A lealdade entre membros e a frieza com a qual lidavam com a deslealdade tornou-se algo admirável. Pode parecer meio chulo, mas é como os traficantes são vistos dentro de uma favela. Pessoas que cometem crimes abertamente, mas ganharam o respeito de todos que vivem por ali e retribuem isso garantindo segurança.
E o musical vem envolto de toda produção mais trabalhosa e preocupada principalmente com a estética. Segundo Scorsese, o musical emergiu na época da Depressão, como um caminho para fugir do momento ruim em que a sociedade vivia no momento. A primeira mudança dentro do gênero foi a conclusão de que um musical no palco não foi feito para o cinema. Busby Berkeley, um ex-professor de dança, usou e abusou das câmeras. Aproveitou angulações e movimentos de câmeras e deu ao cinema a verdadeira cara do musical. A partir daí Vincent Minnelli mudou o cenário do musical. Nada de Broadway! A ambientação acontecia no Meio-Oeste, e os atores cantavam suas emoções. A partir de 1940 o lado mais sombrio da época e da vida passou a ser retratado nos musicais também, da mesma maneira que aconteceu com o faroeste e gângster.
Para Scorsese o diretor de cinema pode ser um ilusionista, contrabandista ou iconoclasta. Ilusionista pela parte técnica que, obrigatoriamente, o diretor deve dominar. Para saber o que se quer de uma cena ele deve entender os procedimentos técnicos para se chegar ao objetivo. Ele cita vários diretores que revolucionaram técnicas ou fizeram pequenos “chunchos” que até hoje são usados no cinema. Quando ele trata dos diretores como contrabandistas voltamos ao assunto da manipulação das grandes indústrias. Os contrabandistas são aqueles que se desvencilham do sistema e buscam, com orçamentos mais baratos, colocar a sua idéia na telona. Afinal, de que adianta ter uma grande estrutura e dinheiro de sobra se você não pode expressar o seu desejo?
E com isso entra em cena o film noir, que valoriza sempre o lado sombrio da vida americana, mostrando que nem tudo termina com um final feliz. Os personagens sempre viviam histórias polêmicas, como o estupro, por exemplo. Eram temas fortes, com cenas mais angustiantes e finais sem sorrisos. Sexo e violência eram temas usuais no film noir. Na estética ele também tinha as suas próprias características, como o contraste forte entre branco e preto.
E por último temos o diretor iconoclasta, que é aquele que não deixa as idéias nas entrelinhas, como os contrabandistas. É o diretor que fala na cara, escrevendo de maneira bem direta mesmo. Ele expõem assuntos não comuns abertamente e explora da maneira que bem entender. Era a realidade nua e crua.
Aqui eu expus rapidamente os assuntos principais do livro, mas a riqueza maior está nos exemplos que Scorsese usa o tempo todo, colocando diálogos e sua opinião sobre filmes, atores, atrizes e diretores. Gostaria também de ter assistido a grande maioria dos filmes que ele expõe ali, para conseguir visualizar de fato o que ele quer dizer. É um livro de leitura fácil e rápido. Scorsese escrevendo não é nada mau também!

Por Fernanda Giotto Serpa

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